O Ano da Experimentação - Navegadores
Esse artigo é parte da série “Ano da Experimentação”, confira os outros lá!
Por que Navegadores?
Todo o meu chororô na introdução do Ano da Experimentação surgiu de uma discussão com alguns amigos sobre a possibilidade do Google Chrome ser vendido para quebrar o monopólio do Google. Lembro que um dos meus amigos estava dividido quanto a essa possibilidade, já que, uma vez que se faz o login no Chrome, utilizá-lo se torna muito conveniente, pois ele sincroniza toda a sua atividade e preferências (incluindo favoritos, senhas e extensões) para todos seus dispositivos. Para mim, era apenas um navegador qualquer, e eu estava ativamente lutando contra ter de fazer o login por anos a fio1. Essa conversa foi há mais de 3 meses, em 20/11/2024, e estalei os dedos para começar.
Meu uso de Navegadores
Nessa mesma conversa, levantei um ponto de como seria fácil para mim trocar de navegador, ao menos em teoria. Dado que eu não estava utilizando nenhuma funcionalidade mais elaborada, só precisava de duas coisas para substituir o meu navegador atual:
Eu estava muito errado. Assumi que muitas das pequenas coisas que utilizava estariam presentes em todos. Não estavam e entrarei em mais detalhes depois.
Escolhendo os Navegadores
Querendo dar início à minha jornada, fui em busca de quais poderiam ser as alternativas à minha configuração utilizando o Google Chrome, meu navegador padrão por mais de 10 anos. Sempre tive outro navegador instalado, caso algum se recusasse a abrir algum site, então tive contato com as outras notáveis opções ao longo dos anos: Microsoft Edge, Mozilla Firefox, Opera. Todos pareciam fazer mais ou menos as mesmas coisas, com algumas pequenas diferenças, como o Opera ter uma VPN integrada.
O que estava buscando era se haveria alguma alternativa a me oferecer algo inédito que me convenceria a fazer a troca. Além disso, adoraria que ela fosse de código aberto5 e não baseada no Chromium, mas nem sempre consegui.
Uma nota sobre o Chromium
Chromium é um navegador criado pelo Google e utilizado como base do Google Chrome. Se você não é antenado com a tecnologia, provavelmente vai se surpreender ao descobrir que, contraintuitivamente, ele também é a fundação de vários outros navegadores rivais, como os já mencionados Edge e Opera, assim como o Samsung Internet (para os celulares da Samsung).
Essa foi uma grande mudança em como os navegadores funcionam e nem sempre foi assim, mas desde que o Google Chrome se tornou uma força tão onipresente, chegando à 65% de participação no mercado em 15 anos enquanto o segundo tem 15%, todos começaram a seguir sua liderança e tentar pegar carona no seu sucesso. Eu não queria usar navegadores baseados em Chromium por dois motivos: para não favorecer o monopólio e porque acreditei que uma alternativa assim só seria um Chrome com um nome diferente6.
Os Competidores

Imagem gerada por IA com a descrição “Draw the Google chrome logo atop an ornamented throne, with three people kneeling in front of it, each of these people having a symbol logo of either Mozilla Firefox, Arc browser or Brave browser” usando o Microsoft Designer. As três logos na parte inferior tiveram de ser adicionadas manualmente.
Fiz uma pesquisa leve e me satisfiz com três alternativas que pareceriam cobrir minhas curiosidades:
- Arc (desktop) + Arc Search (Android)
- Brave (desktop e Android)
- Firefox (desktop) + Firefox Focus (Android)
Queria testá-las de verdade, para descobrir suas fortalezas e fraquezas, então decidi que o faria por pelo menos duas semanas, para ter a oportunidade de precisar usar funcionalidades muito circunstanciais que eu não veria em um teste intensivo de apenas uma hora. Deixei algumas escolhas interessantes para uma próxima oportunidade: DuckDuckGo, Vivaldi, Nyxt. Talvez revisite esse artigo para incluí-las um dia.
Testando os Navegadores
Arc / Arc Browser
Arc
O Arc lançou há alguns anos e fez muito barulho, com muitas pessoas espalhando que ele era “de mudar a vida e reinventar os navegadores, o algoz do Chrome7”. Na época fiquei bastante curioso, mas como acontece de vez em quando, só estava disponível para MacOS, então ele caiu no esquecimento até agora. Essa é a carinha do Arc:

A primeira coisa que se nota é que ele acaba com as ideias de organizar as abas no topo e em vez disso as coloca à esquerda. Essa barra lateral pode ser mostrada ou escondida usando um botão ou um atalho8 e pode ser configurada de maneira que você tenha múltiplos “espaços”, tal como um para o trabalho, outro pra vida pessoal, passatempos, etc… Como eu mal tinha favoritos, isso não me empolgou muito, mas experimentei mesmo assim.
Arc: O que gostei
Navegar pareceu muito rápido, talvez por ele vir com um bloqueador de anúncios embutidos e por eu não estar usando um no Chrome, então a impressão inicial foi ótima.
A filosofia do Arc é sobre melhorar como você administra e visita as páginas que precisa e ele tem essa funcionalidade impressionante chamada Peek (“Espiar”):

Se você segurar shift antes de clicar em um link, ele vai mostrar a nova página em uma janela sobre a página atual. Achei isso incrivelmente útil para ler notícias, onde anteriormente eu só seguraria ctrl e abriria dezenas de abas, agora poderia “espiá-las”, lê-las e então partir para a próxima. Funciona de maneira pouco intrusiva e você pode facilmente convertê-las em abas normais ou abri-las na visão dividida. Uma funcionalidade bem interessante!

O Arc também tem uma funcionalidade embutida para dividir a tela de várias maneiras. Com frequência eu divido o Chrome em duas janelas para ter o Google Keep de um lado e o Gmail do outro, então entendo a necessidade que os desenvolvedores do Arc viram. Parece que pro meu uso o Windows 11 já faz um trabalho satisfatório de dividir a tela, então mesmo me forçando a usar a do Arc, ainda me pegava involuntariamente voltando para a do Windows porque já estava muito acostumado. É uma utilidade legal, mas que não me empolgou.
Finalmente, ele tem uma boa aparência, polida e moderna.
Arc: O que não gostei
Não muito, para ser sincero, realmente estava gostando da experiência de usar o Arc no computador, só bati em três dois9 problemas:
- Em algum momento estava num site onde precisava baixar vários arquivos de uma vez e ele bloqueou todos sem me dar nenhum aviso. Realmente precisava fazer aqueles downloads então tive de usar o Chrome.
- Ele tem um conceito de páginas fixas e automaticamente escolhe algumas que acha que você vai precisar ver de novo para fixar, como podem ver o grande ícone do Gmail no canto superior esquerdo ou a pasta de pedidos de incorporação do GitHub. Esse último achei bem interessante, mas tive bastante dificuldade de lidar com o primeiro, já que o comportamento padrão de abrir links nas páginas fixadas era utilizando o modo Peek, em vez de uma aba nova, mas se você abrisse essa página fixa em uma visão dividida, então ela seria considerada uma página normal e usaria abas, como esperado. Isso me deixou confuso todas as vezes que tentei acessar o Gmail.
Arc Search
O complemento do Arc para dispositivos móveis é o Arc Search e é uma experiência completamente diferente da que se tem no computador:

Ele continua sendo muito limpo, mas agora também é massivamente simplificado, de tal forma que quando abri o menu de configurações para uma página eu me surpreendi ao ver menos de 10 opções, enquanto o Chrome teria de 15-20.
Arc Search: O que gostei
Quase nada. Há uma funcionalidade chamada Browse for me (“navegue por mim”) que substitui a busca e faz um resumo com curadoria de uma IA acerca do que você está pesquisando. Parece muito interessante quando você está buscando notícias, mas percebi que com frequência eu estava apenas procurando páginas específicas e não valia a pena esperar os 3-4 segundos que ela toma para resumir o site, quando eu apenas queria entrar no site. É possível desligar isso, assim como pesquisar diretamente no Google se você clicar no botão de pesquisa do teclado em vez do botão do Browse for Me, mas não achei super intuitivo.

Arc Search: O que não gostei
- Ele tem um widget de pesquisa para a tela inicial do Android que com frequência falhava em carregar e só funcionava de novo ao reiniciar o celular.
- Pesquisa confusa, como explicado na seção anterior.
- O aplicativo do Bitwarden não funcionava para preencher as minhas senhas, até que descobri que tinha de usar a versão beta do Bitwarden10.
- É difícil administrar e reconhecer quando você está numa página incógnita/privada ou não. Até onde entendi, só é possível distinguir entre elas porque na visão geral, as incógnitas ficam completamente pretas enquanto as outras não. Além disso, não há opção de “abrir no modo privado” quando você dá um longo clique num link, que é uma coisa que uso muito e não estava ciente, como mencionei na seção do meu uso de navegadores.
- Não há opção de compartilhar imagem no clique longo.
- Incompatibilidade com o “entrar usando o aplicativo gov.br” no site do gov.br. Não tenho ideia de porque essa opção não aparece, mas é a mais conveniente quando você precisa acessar esse sistema pelo celular, já que redireciona a autenticação pro aplicativo que pode usar o reconhecimento da digital. Ter de usar o sistema “antigo” de login parece lento, quando todos os outros navegadores não o forçam a tal.
Brave
O Brave foi criado e propagandeado como o navegador que “se importa com a sua privacidade e te coloca em primeiro lugar”. A questão da privacidade parece verdade, já que de acordo com o privacytests.org ele realmente se esforça em proteger o rastreamento dos seus dados, aparentemente só não tanto quanto o Librewolf ou o Tor11. Ele também conta com um bloqueador de anúncios embutido e ainda mostra algumas estatísticas a respeito disso, como visto na imagem abaixo.

Note que, somando as minhas sessões do Brave no computador e no celular, tive mais de 30 mil anúncios e rastreadores bloqueados, mais de um GB de dados economizados (ao não carregar anúncios, eu presumo) e 27min poupados12. Além dessas curiosidades, ele não oferece uma tela inicial que se distingue muito de uma janela comum do Chrome, como pode ser visto acima e como eu havia previsto na seção sobre “Escolhendo os Navegadores”.
Brave: O que gostei
- Esse contador nativo de dados e anúncios poupados. Claro que é uma firula, mas adoro esse tipo de estatística de coisas que estou fazendo ou usando e é interessante ver como ele está economizando tráfego, principalmente no celular.
- Ele tem seu próprio motor de buscas, que é razoável. Para “pesquisas mais difíceis” eu me via retornar ao Google, mas era relativamente raro. Ele adiciona resumos feitos por IA em algumas das pesquisas, mas não todas, parece que ele tem uma facilidade maior de adivinhar quando você precisa de uma resposta para uma pergunta quando comparado ao Browse for Me do Arc, e gostei bastante disso. Quando estive programando, muitas vezes usei essa funcionalidade automática de IA para me explicar coisas sem nem ter de entrar num site de documentação, foi especialmente útil para HTML e CSS.
- Você pode copiar um “link limpo” que vai remover todas as informações de rastreamento do link, normalmente adicionadas quando você visita uma página vindo de outro lugar, como o Instagram ou uma newsletter13. Amei isso, já que esses rastreadores normalmente deixam um link curto muito grande e eu com frequência os removia manualmente antes de compartilhar as URLs com amigos, por exemplo, para que não parecesse spam.
- É tecnicamente de código aberto, exceto pelo seu motor de buscas.
- No aplicativo para Android você pode escolher onde fazer a busca todas as vezes: Brave, Google, Bing, etc. O que me surpreendeu, foi ele ser capaz de detectar automaticamente sites com busca compatível e adicionar à lista, que reparei quando o botão do comparajogos apareceu. Agora consigo pesquisar preços de jogos de tabuleiro diretamente da barra de buscas, sem ter de ir até a página. Massa demais!

Brave: O que não gostei
Houveram algumas controvérsias ao redor do Brave e algumas a respeito do espectro político de seu CEO. Essas coisas me deixaram um pouco desconfortável, mas ao mesmo tempo elas parecem já relativamente superadas, então relevei.
Brave: O que não me decidi
Há várias funcionalidades que sabia da existência, mas que ou não usei ou não vi valor em usar:
- Modo anônimo protegido, onde você pode configurar o navegador no Android pra pedir senha/reconhecimento de digital para destravar as páginas já abertas do modo incógnito quando estiver vindo de outros aplicativos.
- “Pagar para navegar”: eles tem essa funcionalidade onde você opta por ver anúncios e em troca é remunerado na criptomoeda deles, ao contrário da navegação normal em outros navegadores onde você vê anúncios o tempo todo e as páginas em si quem são remuneradas. É interessante que eles estejam tentando inverter a lógica, mas não ativei, dado que prefiro não ver anúncios do que ver e ser remunerado por isso.
- Um serviço pago de “Brave VPN”.
- “Brave Talk” que oferece chamadas de vídeo gratuitas para até 4 pessoas.
- A funcionalidade de “Abrir [link] no Tor”, que era muito lenta pro meu gosto (provavelmente pela natureza da navegação Tor).
Firefox
Para encerrar, chegamos ao Firefox. Em algum momento, quando o Google Chrome ainda não existia, ele estava fazendo um bom trabalho de lutar contra a dominância do líder da época, o Internet Explorer, já que o Firefox tinha quase um terço do mercado. Essa prevalência caiu fortemente desde então e é quase 10 vezes menor hoje, com uma fatia de apenas 3%. É uma história meio triste, já que o Firefox é um navegador de código aberto desenvolvido pela Mozilla Foundation, uma instituição sem fins lucrativos, que o tornam quase o “instrumento” perfeito para lutar contra monopólios, mesmo assim como visto na distribuição de uso no mercado, ele tem lutado para se manter relevante.

Firefox: O que gostei ou não
Eis a verdade nua e crua: nada chamou muito a minha atenção, o Firefox não se importou em me mostrar os primeiros passos, em explicar suas funcionalidades mais complexas e atrativas e eu também não me dei ao trabalho de procurar. Provavelmente essa é uma das razões de ele ocupar uma posição de tão pouca relevância hoje, ele não se destaca, não é nem amado nem odiado e em um mundo de polarização crescente, isso não o leva muito longe.
Há um detalhe interessante, mesmo assim, o modo de leitura que é uma funcionalidade que provê uma visão minimalista e sem poluição de uma página:

Além disso, o design meio quadradão sempre me fazia pensar que estava usando algo datado e o jeito estranho de administrar as abas no aplicativo Android tornava abrir e trocar entre abas normais e privadas bem mais complicado do que eu gostaria.
Uma nota sobre o Firefox Focus
Quando me aventurei a experimentar, achei que o Firefox Focus seria o aplicativo Firefox recomendado para o Android, tal qual o Arc Search e o Arc. Eu estava errado, tanto o Firefox quanto o Firefox Focus existem para Android, mas o último é como uma versão “totalmente privada” do primeiro.
Ele é muito rápido, já que bloqueia todo tipo de anúncios, não salva informações de rastreamento nem de login e nem tem abas por padrão14. Dificilmente se tornará seu navegador padrão, no entanto, já que de vez em quando você vai querer permanecer conectado em alguns sites, além de ir e voltar em algumas abas. Algumas pessoas podem mantê-lo para ser o modo de abrir abas anônimas, mas acho que faz mais sentido mesmo ter um navegador que suporte ambas, como a maioria o faz.
O Veredito
Estou satisfeito de ter passado alguns meses testando navegadores diferentes, já que me mostrou algumas funcionalidades e possibilidades que eu nem sabia que existiam ou que precisava. No fim vou trocar para o Brave, pelo simples fato de ser o que eu mais me vi voltando para fazer uma ou outra coisa ao longo de todas essas semanas de teste.
Vou me dar um espaço para descansar e pensar, mas talvez em alguns meses eu volte para algumas das alternativas mencionadas no início desse texto. Se você acha que eu fui injusto com algum navegador ou que deveria tentar um outro não mencionado, me fale :).
E ficava incomodado que vez ou outra o Google Chrome me enchia o saco para “fazer login pois poderia perder informações importantes”. ↩︎
Se eu tiver de fazer alguma pesquisa que provavelmente nunca mais vou refazer, faço no modo privado, como uma tentativa de não sujar meu histórico e as minhas recomendações (indesejadas) para anúncios e motores de busca. ↩︎
Para os desavisados, Bitwarden é um gerenciador de senhas e eu já escrevi sobre ele antes. Dado que tenho mais de 280 credenciais armazenadas nele, eu realmente preciso dele para ser um usuário de internet funcional. ↩︎
Teoricamente poderia não precisar desse requisito, já que o Bitwarden oferece uma aplicação desktop, mas assumi que não seria tão conveniente, apesar de nunca ter testado. Talvez seja mais uma pra lista do ano da experimentação! ↩︎
E não mantidas por uma mega corporação. ↩︎
Em alguns casos era, mas tive algumas gratas surpresas. ↩︎
Mas ele também usa o Chromium como fundação. ↩︎
Atalhos são altamente promovidos no Arc para uma experiência melhor de navegação. ↩︎
Percebi e anotei que ele tinha falhado ao importar meus favoritos, mesmo isso sendo uma das funções mais básicas que um navegador tem de implementar para motivar as pessoas a usá-lo. Acontece que meu Chrome no computador não tinha nenhum favorito, então o problema era eu mesmo 😂. Por favor não volte e leia a nota de rodapé #1. ↩︎
Apesar de ser um incômodo no início, acabou sendo um bom achado, já que eles estão reescrevendo o aplicativo para ser nativo e o beta é bem mais bonito e funcional que a versão padrão do aplicativo! ↩︎
Perceba que o Brave até inclui um “Brave Tor”, que é uma opção para abrir uma página em uma sessão privada do Tor, que satisfaria as partes faltantes do Brave tradicional. ↩︎
Não tenho ideia de como ele faz essa contagem, talvez por você não perder tempo rolando a página para passar os anúncios? De qualquer forma, o número é muito pequeno dado o tempo de uso que já tenho no Brave. ↩︎
As pessoas que trabalham com publicidade provavelmente odeiam essa funcionalidade, já que ela atrapalha como elas medem a efetividade das suas propagandas e similares. ↩︎
No iOS parece que não há abas e ponto. No Android elas existem, mas você só pode abrir links em abas novas, nunca criá-las vazias. ↩︎