Tulio Paschoalin Leao

Bem-vinda de volta reprodução musical aleatória

· Tulio Paschoalin Leao · 6 min

Era 2013, pouco mais de uma década atrás, e eu estava estudando e vivendo no Reino Unido por um ano, através de um programa governamental que nos permitia frequentar universidades estrangeiras. Nunca havia saído do meu país natal, então estava sendo uma experiência transformadora, já que tinha a experiência de experimentar várias coisas que eu nunca encontraria no Brasil1. Uma dessas coisas foi o Spotify2.

Não me lembro bem se na época eu ainda utilizava o Winamp ou o AIMP como meu programa para reproduzir músicas3, mas o que me recordo é que manter os arquivos das canções era um trabalho árduo e cuidadoso que compartilhava com o meu irmão mais velho desde a vez em que perdemos a nossa coleção por causa de uma limpeza de disco não solicitada feita por um técnico de TI4. Nós não apenas as baixávamos e colocávamos em uma pasta aleatória, era um fardo processo de vários passos mais ou menos assim:

  1. Obter as músicas que queríamos de algum lugar.
  2. Organizar essas músicas em várias camadas de pastas: cada banda tinha sua própria pasta e, dentro desta, uma pasta adicional por disco, com o padrão “AAAA - Nome do Álbum”.
  3. Carregar as músicas no MP3Gain para normalizar seu volume dentro do álbum. Aqui tentávamos evitar o “efeito propaganda de TV”, que é quando você está assistindo algo num determinado volume e assim que a propaganda entra, o som fica muito mais alto.
  4. Carregar as músicas no TagScanner para analisar e consertar os metadados das músicas, como adicionar o ano de lançamento do disco, a capa dele ou o número da faixa no álbum.

Era trabalhoso, mas ao mesmo tempo recompensador, quando abríamos o reprodutor de mídia e víamos tudo muito organizado na lista de músicas e no “reproduzindo agora”. Apesar disso, eu ansiava por não ter de dispender mais tempo com isso de novo e o Spotify parecia uma ótima alternativa, mas ainda não estava disponível no Brasil. Àquela época, me lembro que no quesito streaming de música, acabava usando mais o Grooveshark.

Voltando a 2013, no Reino Unido, onde criei a minha conta no Spotify ao fazer login utilizando o Facebook5 e comecei a ouvir música. Era conveniente e eu gostava, o que foi ótimo, já que alguns meses depois eles anunciaram estar expandindo para o Brasil, ainda assim, eu não estava pronto para pagar por um serviço de assinatura de músicas naquela época e como a internet móvel ainda era cara na minha terra, seria mais conveniente continuar mantendo meus próprios arquivos no computador e celular.

Alguns anos depois a internet estava ficando mais barata, os celulares mais rápidos e era cada vez mais complexo administrar a biblioteca de arquivos entre vários dispositivos: computador, celular, TV e até carro. Além disso, com frequência queria ouvir minhas músicas enquanto estava no trabalho, mas sem poder transferir meus arquivos para lá, então uma solução mais integrada e transparente era necessária e assim comecei a pagar pelo Spotify.

Nunca fui muito de “criar listas de reprodução (playlists)”, então tudo que fazia era navegar até a página das bandas que gostava e “curtir” os álbuns para que eles e suas músicas aparecessem nas minhas listas.

Desde que começamos a manter nossas próprias músicas, oscilamos entre diferentes hábitos de escuta: por vezes ouvindo um único álbum na ordem original, outras apenas botando para tocar uma música qualquer e ouvindo entre todas de todos os artistas de forma aleatória. Meus hábitos eram parecidos no Spotify, até determinado ponto de 2019, quando eles decidiram mudar a interface para que, quando você curtisse um álbum, ela não mais adicionasse as músicas desse álbum automaticamente e individualmente à sua lista de músicas.

Imagem gerada por IA com as descrições “draw a caucasian man cursing and trying to punch a giant spotify logo” e “make the man less angry” usando o ChatGPT-4

Ao longo dos anos fui avesso a várias mudanças na aparência e usabilidade do aplicativo, mas nenhuma delas me irritou tanto quanto essa, e parece que não fui o único. Com essa alteração, toda vez que eu gostasse de um disco, teria que clicar para salvá-lo, assim como clicar em cada música individualmente. Eu não queria fazer isso, então meus hábitos mudaram e com o tempo parei de escutar minhas músicas no modo aleatório, porque a lista agora era um conjunto incompleto de tudo que curtia.

Saltando para o dia de ontem, 26/12/2024, quando eu tinha de dirigir sozinho debaixo de chuva forte por aproximadamente 40 minutos e não queria fazê-lo em silêncio. Abri o aplicativo e coloquei para tocar uma música específica que gosto, deixando para o Spotify a sua função mágica de “rádio”. Durante a viagem, escutei não só algumas músicas novas que não conhecia6, quanto também algumas que eu curtia, mas havia esquecido, apenas por não lembrar de colocar aquele álbum específico para tocar.

Naquele momento, entendi que ouvir as músicas de forma aleatória era algo que sentia muita falta e gostaria de recuperar o quanto antes. Claro que alguém já teria resolvido isso a essa altura, uma vez que a mudança era de 5 anos atrás, então fui para o Google e encontrei um artigo no Reddit onde alguém estava perguntando exatamente o que eu queria e onde um companheiro desenvolvedor que atende pelo nome de usuário buddamus8 respondeu exatamente o que eu precisava.

É um código não trivial de 600 linhas, pode ser inseguro7 e pode violar alguma cláusula dos termos de uso do Spotify, mas agora eu tinha um jeito de, com um clique, adicionar todas as músicas dos álbuns que curti de volta na lista de “Músicas Curtidas”. Fiz isso e um número absurdo de 600 músicas foram adicionadas à minha lista, aumentando seu tamanho em 20%.

Agora recuperei um jeito de ouvir minhas músicas no modo “verdadeiramente aleatório”8, obrigado buddamus89!

Imagem gerada por IA com a descrição “draw a bearded white man with teary eyes listening to songs on shuffle, use comic style” usando o ChatGPT-4


  1. Se você leu isso e pensou em “drogas”, estava errado, mas imaginei que várias pessoas pensariam isso 😂 ↩︎

  2. Sei que isso não soa muito emocionante considerando tudo que eu poderia listar que experimentei, mas fique comigo que a história vai fazer sentido. ↩︎

  3. Acho que foi o segundo porque, se não me falha a memória, ele tinha algumas ótimas funcionalidades de “ordenar por” e agrupar por" na lista de músicas, então você poderia ordenar alfabeticamente por artista e, dentro de cada artista, agrupar por álbum. Ele também sincronizava com o last.fm automaticamente! ↩︎

  4. Quem quer que tenha usado um computador nos anos 2000 vai lembrar quão difícil era baixar coisas, então ter o disco apagado sem antes ser perguntado jogou horas de nosso esforço de curadoria no lixo. ↩︎

  5. Algo que me arrependo até hoje, já que fez com que meu usuário fosse uma série de números sem sentido, tipo 15465123487. ↩︎

  6. Olha só, também sei elogiar quando é merecido😝. ↩︎

  7. Dei uma olhada no código por alguns minutos pra tentar perceber se ele fazia algo obviamente malicioso. Não achei nada, mas não sou especialista em segurança, se achar que eu devia me preocupar, me fale! ↩︎

  8. Não vamos entrar nos detalhes de que uma reprodução verdadeiramente aleatória não existe, nem como os geradores de números aleatórios tem um viés. ↩︎

  9. Fato curioso: essa foi a única vez que esse usuário decidiu comentar num tópico de outra pessoa no Reddit, mesmo sua conta já tendo mais de 9 anos de existência. ↩︎

#crônicas

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