Tulio Paschoalin Leao

O Prazer de Caminhar pelas Ruas

· Tulio Paschoalin Leao · 4 min

Desde que decidi começar a “morar sozinho”1, sempre detestei essa ideia que as pessoas gostam de espalhar de que:

“Viver perto de um shopping é o melhor, você encontra tudo que precisa em um só lugar e torna a vida mais fácil e otimizada.”

Não vou mentir, vivi perto de um por quase 6 anos e era bem conveniente, mas tinha algo de sem graça de entrar numa imensa construção, sem nenhuma consciência dos meus arredores ou do clima, fazer todas as minhas compras em lojas de grandes marcas e confinar o meu viver a um quilômetro quadrado.

Para fugir desse sentimento, tendo a andar muito quando viajo, independentemente de estar sozinho ou acompanhado. Acredito que assim consegue-se explorar a cidade, dar chance ao acaso e eventualmente encontrar algo que não se esperava, mas que você adora, como quando estive em Londres e acabei na Usina Termelétrica de Battersea ou apenas tomei café da manhã. Então por que eu não faria isso quando estivesse em casa?

Quando me mudei para outro apartamento com a minha esposa, há 3 anos, começamos a viver em um bairro que algumas pessoas descreviam assim:

“Como viver em uma cidade do interior dentro da metrópole: várias lojinhas de pequenos comerciantes e pessoas que se conhecem, mas estando a 5 minutos de distância de tudo que a cidade tem para oferecer.”

Eu amei, adquirindo ali vários lugares favoritos para as minhas distintas necessidades: uma padaria, sacolão, empório, até uma pequena e confiável borracharia. Claro que ainda há redes de lojas de médio e grande porte a que precisamos recorrer de vez em quando, mas o sentimento de caminhar pelas ruas aqui e ali e estar a céu aberto era e ainda é tudo para mim. Me traz serenidade e júbilo2, sendo um exemplo o que aconteceu ontem, mas não no meu bairro, como seria de se esperar.

No início dessa semana, meu irmão e eu descobrimos que a banda Lacuna Coil faria um show na nossa cidade e, dado que a escuto desde pelo menos 20083, estava ávido por comprar os ingressos para poder comparecer. Decidi comprá-los na loja física, para evitar os 15% de “taxa de conveniência”, então comecei minha jornada noturna indo a uma pequena loja de instrumentos musicais e comprando os ingressos.

Ainda era início da noite e a maioria das lojas não tinha fechado, então decidi continuar a caminhada para comprar um salame para uma noite de vinhos e queijos com minha esposa. Tendo resolvido isso, queria apenas andar até o fim da avenida para pegar o ônibus de volta para casa, que foi quando avistei uma floricultura recém inaugurada4, sendo que horas antes minhas esposa tinha me pedido para comprar flores para sábado, logo menos um item da minha lista de afazeres. Voltei à minha jornada, ou assim pensei, quando vi uma loja de materiais de construção e já que eu precisava substituir um volante de uma torneira do meu banheiro, aproveitei pra resolver mais uma coisa!

Eu estava verdadeiramente entusiasmado, uma tarefa se transformou em quatro e de súbito eu tinha resolvido tudo que precisava de forma eficiente, coisas que em outras ocasiões precisariam de várias viagens de carro e caminhadas, contrariando o saber popular que resolver as coisas a pé é menos eficaz. Naquele momento inclusive desisti de voltar de ônibus e apenas aceitei que faria o resto do trajeto até em casa a pé.

Imagem de um jovem homem adulto barbudo vestindo calça jeans azul, camiseta branca e um blazer enquanto anda pelo passeio de uma rua movimentada da cidade com várias lojas abertas

Imagem gerada por IA usando o ChatGPT e três textos: “Gere uma imagem de um homem jovem barbudo andando despreocupado por uma rua à noite com diversas lojinhas abertas. Utilize o estilo de caricatura” seguido por “Utilize um estilo desenho e faça as lojinhas parecidas com o que se vê no Brasil” e finalmente “Faça as lojinhas terem uma cara mais de metrópole”. Não fiquei completamente satisfeito com o resultado final, mas aparentemente os créditos da versão gratuita se esgotam após três imagens e só retornam após 24 horas

Muitos vão achar essa atividade mundana, até entediante, mas foi importante para mim: sem música, podcasts na velocidade créu 2x, sem estar com o telefone em mãos, estava despretensiosamente a caminho de casa, me sentindo bem, reparando em atividades que mal paramos para notar nas nossas agitadas rotinas. Estava vivendo o prazer de caminhar a pé pelas ruas.


  1. Não totalmente, porque não gostava de viver sozinho e então compartilhei o lar com outras pessoas quase a vida inteira: com meus irmãos, depois amigos e aí um pequeno intervalo sozinho e finalmente com minha esposa. ↩︎

  2. Entendo e reconheço que não estou abordando os tópicos sensíveis de se sentir seguro ao andar pelas ruas ou do privilégio de viver em um bairro com melhor acesso a infraestrutura. ↩︎

  3. Segundo o meu perfil do last.fm↩︎

  4. Tinha literalmente inaugurado no dia anterior. ↩︎

#crônicas

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